Esta é a última foto publicada neste blog.

A São Paulo em que eu nasci morreu.

Com isso, morre também este blog, que nasceu numa era em que a internet nasceu.

A internet e a São Paulo que eu via em 2005 eram utópicas. A realidade, em 2024, é distópica.

Fica aqui esta garrafa no oceano.

E fica aqui minha homenagem às pessoas como a minha mãe, que construíram essa cidade.

E me ajudaram a me construir.

Uma verdade sobre Nova Iorque sempre me pareceu ser uma verdade sobre São Paulo.

"If I can make it there. I'll make it Anywhere."

Isso é verdade.

Ainda mais se considerarmos o que o santo e místico Adoniran Barbosa dizia.

"Deus dá o frio conforme o cobertor." 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 


 

Chocottone

 

Chocottone

Acho que foi no Programa do Bozo, o palhaço, que ele viu o chocottone pela primeira vez.

A grande diferença do chocottone com o panettone é que o chocottone tinha gotas de chocolate.

Ele não sabia o que eram gotas de chocolate.

O Bozo explicava para a Vovó Mafalda que o chocottone era da Bauducco e que as crianças iriam adorar.

Pede para a mamãe comprar.

Ele pediu.

A mãe dele comprou no Eldorado. Ou foi na Americanas? Talvez na fábrica, em Guarulhos.

Todos os problemas do Natal acabavam ali.

Ele não precisava mais tirar as frutas cristalizadas do panettone.

A Visconti tentou copiar. Era seco. Esfarelava. Talvez, por isso, a Tommy nem tentou.

O da Bauducco era o melhor. Molhadinho. O Bozo tinha razão.

Então a partir daquele momento, o lanche da tarde tinha chocottone.

Entre um desenho e outro, a TVS colocava o calendário contando os dias para o Natal.

Ainda bem que o chocottone fazia a espera até o dia 24 mais fácil.

Após a ceia tinha o pavê. Mas na decoração da mesa lá estava ele. Fora da caixa e do plástico.

O panettone ficava para os adultos. O chocottone, para as crianças.

Mas ele era a única criança.

Que sorte.

A Despedida

 


Ele sabia que havia chegado ao fim.

Max Richter tocava ao fundo no loop infinito. The Departure. Lang Lang.

Tudo era mais lento. Bullet time.

Nada que não fosse a verdade fazia sentido.

Ninguém buscava a verdade.

Buscavam a distração da mente que torturava. Loop infinito.

Cada detalhe tinha uma verdade que só ele via. Ouvia. Previa.

Ele pensava, coitado do Giordano Bruno, do Galileu, da Hipatia. Bruxos de Salem.

Não tinha nada a ser feito.

Nunca teve.

Nunca vai ter.

Loop infinito.

No fundo ele sentia que a gravidade era um efeito colateral de uma força maior.

O James Webb talvez iria mostrar isso. Infrared.

No fundo ele sabia que a gente nunca chega ou se despede.

Tudo existe num fluxo.

Infinito.

Ele sabia que a única coisa a fazer era a seguinte coisa.

Dona Maria

Dona Maria

Em 2022 o Nobel de Economia foi para justificar a importância dos bancos.

Correria aos bancos geram crises. E crises geram mais crises. É sistêmico.

Quando eu era criança, minha mãe vivia em crise financeira. Era sistêmico.

Mas o grande problema sistêmico, na verdade, era a inflação. Não era a minha mãe.

No primeiro dia útil do mês era uma festa. Era o dia do pagamento. Era o dia das compras.

Rolava ir ao supermercado, encher o tanque do carro e dar uma volta no shopping.

O dinheiro tinha que render muito naquele dia.

Porque no dia seguinte, ele (o dinheiro), ia valer menos. E no dia seguinte, menos e menos.

Quando chegava o fim do mês, sempre faltava.

Não era descontrole de gastos. Era descontrole de preços.

Então eu e minha mãe saíamos para buscar crédito.

Nos bancos.

Só que os bancos não achavam que a minha mãe tinha um bom “perfil”.

Sorte que o Mappin, a Mesbla, o Eldorado, a G. Aronson inventaram o cheque pré-datado.

Minha mãe me deixava preencher os cheques. Ela sempre andava com dois talões na bolsa.

Mas aí tinha que ter fundos no banco para “cobrir” os cheques.

Neste momento entrava a Fininvest, a fila de Penhor da Caixa e a venda da Dona Maria.

A Dona Maria e o marido dela, filhos de japoneses, trabalhavam no sistema de caderneta.

Você fazia a compra na venda dela e ela anotava na caderneta.

A letra dela era indecifrável. Mas estava tudo lá.

1 quilo de feijão. 1.000 cruzados, cruzeiros, cruzeiros novos, cruzados novos, URVs, reais?

Num certo dia do mês, minha mãe pagava o saldo. Ou parte do saldo. Crédito puro.

O banco da Dona Maria evitava crises sistêmicas. 



2022

2022

2022 foi ano em que me converti em um homem do século 21.

Aos 43 anos, tenho mais vivências e memórias neste século do que no século anterior.

É estranho.

Minha mãe foi uma mulher do século 20. Ela morreu em 2013, a duas semanas de fazer 75.

Eu tinha 21, quando começou o século 21.

Eu vi Matrix em junho de 1999. Era um filme do século 21. Era um filme meu.

Não que eu não gostasse de Fellini. Gostava mais do Nino Rota. Que música é Amarcord.

Mas a minha mãe não viu Matrix. Ou se viu, não entendeu.

Eu vi De Volta para o Futuro 2 com a minha mãe no cinema, em 1989. No Iguatemi.

Neste ano caiu o muro de Berlim. Eu me lembro das pessoas martelando o muro.

Eu vi De Volta para o Futuro 3 com a minha mãe no cinema, em 1990.

Neste ano foi a copa do mundo da Itália. Eu fiz o álbum de figurinhas. Completo.

A minha infância foi no século 20. Nos anos 80.

A minha adolescência foi no século 20. Nos anos 90.

Eu fui ao show do Michael Jackson. E não fui ao show dos Guns N’ Roses.

Os meus tios eram o passado, que tinham viajado ao longo do tempo.

Agora, eu sou o passado que viajou no tempo. Eu me converti em um homem do futuro.

Eu sou o futuro do menino que viu o Marty McFly no hoverboard em 2015.

Eu passei de 2015. 2015 era o futuro. Eu estou em 2022. No futuro do futuro.

Quando você viaja no tempo, fica uma persistência da memória.

Como no quadro do Dali. Os relógios derretem.

Eu viajei no tempo e no espaço.

Dizem que o futuro a deus pertence. Não. O futuro a mim pertence.

 

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